domingo, 1 de julho de 2012

O Sexto Mandamento

Parte 2: Nebulosas


            A noite ensinava adultos. "Precisamos de uma moça respeitável para ensinar essa peãozada iletrada." dissera-lhe o diretor, que passava pelas turmas adultas sempre com olhar vigilante, como se as professoras fossem moçoilas casadoiras namorando na sala de estar de uma casa de família. 
         Mas Catarina ultimamente ignorava a vigilância, e quando a tarde ia caindo roía às vezes o canto das unhas até ver um ponta de sangue sair, divertia-se com a pequena dor aguda, tirando o foco da ansiedade profunda que tomava conta dela ao chegar no Grupo Escolar, enquanto escurecia. Era borrão azulado no fundo da sala que andava lhe causando problemas insones.
         Ele era magro como o filho . Tinha ainda os dentes muito brancos e fazia piadas enquanto sorvia com avidez o café na hora dos intervalos. Ensinava o filho de manhã e o pai a noite, o mesmo nome ( ela recém lera Um Certo Capitão Rodrigo, a associação era inevitável), os mesmos olhos, mas em carteiras diferentes, o pai  sentava-se no fundo, a despeito da atitude do filho, talvez pela altura que ostentava. 
       E foi por esses idos que começou a ter os inoportunos sonhos com o homem, que fustigavam-na numa ansiedade absurda e deixavam-na descontar numa criança o ódio dos incômodos ardentes que lhe lembravam os olhos do pequeno (tão idênticos ao do pai que alguém diria moldados a cirurgia, se naquela época plástica houvesse...). 
     "Tenho vinte e cinco anos"  ela o ouviu dizer no corredor a outro amigo. "Casou-se muito cedo", ela pensou, pois o filho não teria outro pai com olhos tão parecidos com os dele daquela forma. E casar-se cedo era comum àquela gente, eles viviam sempre tão pouco. Casar-se era menos viver com alguém ao lado que assumir compromisso com Deus, repetia a si mesma, mas àquela noite antes de dormir, penteou-se e perfumou-se instintivamente, como se o moço fosse dormir ao seu lado de fato, não sem antes faze-la cavalgar sobre ele durante horas a fio, como uma amazona mitológica. Perfumou-se, mas dormiu rezando. O que pouco adiantou, pois quando acordou, as cinco e quarenta e cinco da manhã, a camisola embebida em suor e o cabelo desfeito acusavam-na de um crime cuja culpa era tão subconsciente que ela chegou a odiar-se como se fosse uma estranha  de si mesma. O suplício estava longe de acabar....

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