segunda-feira, 23 de julho de 2012

O Sexto Mandamento V


Parte 5:
       
     Meses antes havia se falado na possibilidade de transferência de Catarina para uma escola em Santa Barbara. Ela, que jamais contestara ordem alguma, apenas ouvira o ruido e calara-se, torcendo para que não precisasse sair de Mariana com a madrinha idosa. Mas, quando o diretor chamou-a numa sexta feira, antes da aula da noite: "Serás a nova diretora do grupo escolar de Santa Barbara"  ela não sabia se ria ou chorava de alivio. "Deus sabe o que faz ..." a Elena ainda lhe disse. E ela quis acreditar.
    Mas tão providencial fuga não ocorreria tão rapidamente, era preciso terminar o semestre, para evitar maiores desastres pedagógicos. Ainda haviam então duas semanas restantes de martírio. Mas ele todavia não parecia muito afeito a esperas : "E então?" "Então é não, oras ! Não enxerga o tamanho do absurdo?"  e ele apenas riu sabendo que no absurdo morava toda a graça da coisa, e insistiu algumas vezes, já que ela, mesmo negando, não saia dali, não se movia. O corpo arrepiado, como se um vento gelado lhe cortasse a pele em sobressalto, o coração poderia saltar-lhe pela boca se se descuidasse "Ora, não seja assim birrenta, veja bem professora, a senhorita acha mesmo que é certo deixar de lado certas vontades, quando em sacia-las fará muito melhor coisa a manter-se intocada, afogada em desejos? e ela não teve argumentos e também não desejou tê-los "Minha janela dá para o quintal, moro só com minha madrinha. Não faça barulho, esteja por lá as onze..." 


Lights go out and I can't be saved, 
tides that I tried to swim against, 
you've put me down upon my knees, 
oh I beg, I beg and plead.... (Clocks - Coldplay)


       O vulto pulou a janela como um felino, envolto em silêncio tão denso que ela se assustou quando finalmente o viu chegar. Os olhos faiscavam na penumbra do quarto, ela procurou não olhá-lo diretamente.
 "És casado!" ela ainda murmurou "Não podes andar por como um rapazote solteiro a se divertir com as moças da cidade. No mais, sou uma moça séria... Sua esposa também o é." ele riu "Séria ela é sim, assim como você, professora. Mas que vantagem há nisso, hã? Oh céus, é tudo tão igual.  Se um dia houve amor, acabou." Catarina desvencilhou-se, furiosa " O fato de não existir amor  não faz de vocês menos casados! Compromisso que você assumiu diante de Deus, crie vergonha, homem!É melhor agora que saia..."
        Ele não saiu. E seria inútil descrever o que se seguiu. E também não poderia ser menos óbvio. Ela ainda pediu-lhe calma, no que não  foi atendida "Impossível..." ele balbuciou pouco antes de fazê-la sentir a dor seca de sua impaciência adentrar-lhe o corpo sem piedade. Sangrou como se houvessem lhe metido uma facada no ventre ao fim de tudo, por que, como todas as moças solteiras de sua idade, era maquinalmente virgem até então. 
        Ele por sua vez fazia o que lhe dava na cabeça. Cabeça essa mil vezes mais experiente e imaginativa do que a dela, passando por cima de dores e estranhezas, mas falando boas coisas em horas certas, palavras da filosofia banal inerente as alcovas e que ele dominava.
       Mas para Catarina não havia filosofia, não havia mais tempo, nem pensamento, tudo ia tão rápido, mas parecia nunca acabar e ela mal podia respirar ao fim de tudo. Cobriu-se rapidamente por que não acostumara-se ainda a visão do próprio corpo em pelo. Ouviu ao longe o apito da locomotiva. Era meia noite e quarenta.

"Esse foi o dia em que matei a ética.... Como se em algum momento na história da humanidade ela tivesse vivido. Se não morta, talvez apática, imóvel e parada, vendo seu nome ser citado em demagogias massantes. Talvez a ética já tenha se suicidado há muito tempo também. Só eu não vi." (Diário de Catarina 16/06/1942)




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