segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O Sexto Mandamento - Final

       Ele ressonava, cansado. Deitado de bruços, a cabeça sobre os braços, os olhos semicerrados. A selva de cílios negros mal deixando entrever as pupilas azuladas. Não as escondia nem durante o sono, como se soubesse que assim poderia hipnotizar quem quer que fosse, como cobras fazem com ratinhos em supostos  momentos de sadismo, quando não têm fome, mas apenas prazer em matar. Ela havia sido preza fácil, pensava consigo mesma, e ele, agora confiante, já se deixava adormecer por alguns instantes depois do gozo, antes de levantar-se sem sobressaltos, vestir-se e sumir na calada da noite.

      Catarina não dormia. Fitava as tabuas do teto, entediada, no canto da cama que lhe cabia quando ele estava lá. Constatou, não sem algum pesar, que não havia mais nada de extraordinário naquilo. O homem em seus sonhos tornara-se real, com atitudes reais, cheiros reais e toda aura de mistério evanescera como neblina sob sol mais forte.
          E tudo tornou-se vazio. Vozes, passos, corriqueiros e palpáveis, de uma concretude pouco pesada e desprovida de conteúdo. Só não se repousava em maior calmaria por que a iminente mudança para Santa Barbara se fazia presente. Mudança essa que já julgava  desnecessária. O borrão azul no fundo da sala tornara-se apenas mais um aluno em meio a massa de pensamento aerado que os alunos daquele colégio formavam pelos corredores.

     Ele ainda pulou sua janela aquela noite, e ela entregou-se  sem palavras. Procurou desesperadamente o sentido daquilo, e a força que a fizera cometer tamanho desparate. Não encontrou. Ao abrir os olhos via a sua frente apenas um homem primitivo, iletrado, de poucas maneiras, cuja objetivo vital parecia ser sair jorrando sua semente preciosa em fêmeas no cio pelo mundo, preservando assim sua espécie pouco racional. E entendeu todas as esposas do mundo, que acabavam se entregando a seus maridos, sem saber o sabor de ter vontade. Com paciência simulou o mesmo interesse dos dias anteriores e odiou-se por estar tão apática.
       Pensou muito sobre aquilo posteriormente e concluiu que viciara-se na emoção da coisa. Todavia, já não haviam mais tantos empecilhos. A discrição com que tudo se dava fazia com que não houvessem desconfianças sobre eles e na escola mal se falavam. A adrenalina embalava o caso, que sem  certa aventura ganhava inevitáveis tons de cinza.
     Mas, para sentir-se viva, teria sempre que arriscar o bom nome, a reputação? Será que o faria numa cidade ainda menor? Os dilemas de Catarina estavam longe de acabar e na verdade talvez nunca tenham de fato se resolvido. Mas ali, só uma certeza. Aquele homem novamente ressonando ao seu lado era apenas mais um homem. E o mundo estava repleto deles, não?
       Ele despediu-se também com certa frieza, sem beijo de adeus ou pieguice do tipo. "Boa sorte lá na nova cidade, professora!" acenou. Catarina respondeu o aceno e deitou-se novamente. Seu trem partiria as nove da manhã. Sem sono ela ainda tentou ler um pouco, mas desistiu. Guardou o livro no criado mudo e ainda riu da coincidência: " Au revoir, Érico Verísimo, au revoir!"






Um comentário:

Unknown disse...

Massa demais! Continue e continue Dani. Escrever é preciso.