segunda-feira, 11 de julho de 2011

Seu Fritz



Quando seu Fritz morreu, descobriram que ele era um nazista disfarçado de padeiro que passou os últimos anos sendo tratado com carinho por uma Negra Doceira que saia todo ano no carnaval vestida de baiana.
Encontraram uma suástica, algumas medalhas da época, uma foto autografada do Hitler que eu guardei de souvenir antes dos pesquisadores chegarem e todo o resto virar peça de museu.  A Negra Doceira riu “O velho era mesmo maluco!” e todo mundo ficou sem entender nada, como a negra e o nazista se deram tão bem nos últimos anos.
Quando seu Fritz ficou doente e fechou a padaria, a Negra, que era empregada, virou patroa. O velho já não tinha ninguém, porque o Marcelo fazia tempo que tinha sumido pelo mundo com o circo, atrás da trapezista ruiva que também se contorcia dentro de um baú. Seu Fritz veio pro Brasil e tomou bastante sol na cuca, andava de bermuda, mas essa gente de circo para ele de qualquer forma não prestava e antes de proferir o fim dessa mesma frase, o Marcelo já virara a curva da estrada no lombo de um camelo, então sobrou só o Fritz e a Negra Doceira que não levava ninguém a serio, muito menos o velho, que falava enrolado não se sabia a certa altura se era do derrame ou do alemão mesmo.        
                A Negra Doceira levava seu Fritz pra passear na cadeira de rodas, ele ficava lá parado murmurando coisas ininteligíveis, o sol batendo de leve no rosto por que era de manhãzinha. Até adoecer ele não falava muito mesmo, mas depois, parecia que ele queria por tudo para fora, gritava lá as coisas dele, mas ninguém nem imaginava, o que todo mundo sabia era que ele tinha fugido da guerra uma vez, e como quem foge da guerra geralmente foge por que não concorda com ela, seu Fritz era visto até como uma pessoa querida. “Um herói” ou coisa de tipo. Isso, é claro, até o momento em que as pessoas descobriram que ele era nazista.
Na verdade ninguém por ali sabia muito bem o que era isso. O seu Eduardo, sujeito metido a ter muita cultura e que às vezes servia de juiz das causas que as pessoas não sabiam muito bem como dar seu próprio veredicto, pois ele mesmo sentenciou: “ Nazista é um tipo de gente que mata todo mundo com quem não vai muito com a cara. Na época da guerra mataram muita gente lá na Europa, preto, branco, índio, judeu, inclusive brasileiro!” E depois disso ninguém mais gostou do seu Fritz. O que não adiantou muito  por que ele já estava morto mesmo à essa altura, para alivio geral “escapamos de uma boa, hein, pensou se o velho encasqueta com a gente antes de ficar doente?” comentava-se a boca pequena o que só fazia a negra Doceira morrer de rir no botequim “ Aquele velho não matava nem mosca!Eu é que sei!”. Pois é. Ela que sabia.


2 comentários:

Felipe Godoi disse...

Afinal é convivendo que conhecemos as pessoas...

Gostei!!!

silvio prado disse...

Uma rapida e estranha história de um nazista que no final da vida deixou de ser nazista passando a ter vida em comum com uma negra e, devido a ignorancia geral, era bem visto pelo fato de ter fugido da guerra e ser contra ela. Como esse refugiado de guerra veio parar no Brasil, e essa nossa terra é espaço privilegiado para coisas impossiveis,creio que apenas duas pessoas poderão explicar ou dar melhor entendimento sobre o tal nazista: primeiro, o Marcelo, que atrás de uma ruiva desapareceu no pó e deve ter levado alguns segredos reveladores da verdadeira identidade do velho nazista, se é que encontrando a ruiva procurada ele ainda se lembraria de qualquer coisa feita ou dita pelo nazista. Quanto a Doceira negra, mesmo empurrando uma cadeira de rodas pra lá e pra cá, ela devia ter razões de sobra para escancarar risados no botequim. Só ela sabia o que era bom e o que era doce naquele velho nazista. Será?