terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Amor de Pai II

"As my life flashes before my eyes I'm wondering will I ever see another sunrise? So many won't get the chance to say goodbye, but it is too late to think of the value of my life..."


O Isaac nunca ficou muito tempo no seminário, por que acabaram concluindo por lá que ele não tinha vocação nenhuma, caso perdido apenas tentar convencer o pai dele disso. Conversamos duas vezes. Os olhos ferozes e fervorosos, "Não, não se contraria Deus!", mas deus para ele era a própria opinião.
  Ao Isaac ele nunca disse que a mãe biológica aparecera anos depois atrás de notícias, mas o próprio Isaac descobriu por si só porque ouviu uma conversa dos dois pelo telefone. Preferiu calar-se fingir que não sabia de nada, desde pequeno sabia que com seu pai só se concordava, a mãe biológica ate então não fizera falta, só começou a sentir o peso da obrigação do seminário depois dos doze anos.
Quando voltava das compulsórias incursões no seminário voltava também ao colégio e a vida normal, as meninas olhavam os olhos azuis marinho não sem uma certa desconfiança, era bonito, dançava até muito bem também, mas elas preferiam os malvados. Enquanto isso, eu sempre buscando entre a barulhenta massa uniformizada um olhar do rapaz que nas tardes quentes aparecia no meu apartamento tomando uma coca e falando freneticamente das coisas do seu dia, eu ouvia, tomava nota, tomava coca, fazia amor.
Foi quando começou a chuva. Aquele céu plúmbeo e muita água, descendo pelas calhas, eu fui levá-lo ate o portão, acabara de escurecer, era tão cedo, meu prédio era pequeno e não tinha porteiro, eu fui levá-lo ate o portão, ele andava mais cabisbaixo por que definitivamente iria embora, decidira uma dia antes, ia embora sim para qualquer lugar que fosse, aquela idéia que toma de assalto sempre as crianças, de fugir de casa e ser dono das decisões, quanta inocência, não podia mais conviver com o pai, que o queria para si tão egoísta, só faltava fazê-lo ajoelhar no milho, fora de si...
Eu me despedi dele discretamente, vá com Deus Isaac, tire da cabeça essa ideia de fuga, é bobagem, você sabe, fique bem, senão por você, por mim, eu me preocupo, na verdade era puro complexo de Édipo, eu só percebo isso agora, mas não me importa mais, por que só importa é que era, foi, bonito, ou não, foi.
Ele ia embora, atravessar a rua na bicicleta e veio o carro , ele era ainda um homem jovem , as mãos grandes segurando o volante, então era isso, era fúria, ele decerto o seguira, viu o beijo, aquilo não foi nada, ele já não pode afirmar nada, por que se perdeu no tempo a fúria da voz que gritava que o filho estava perdido antes de acelerar o carro, Isaac hipnotizado apenas deixou-se ficar onde estava, o motor roncou alto assim como o pneu no atrito com asfalto, o carro avançou sobre ele, arremessando seu corpo para o meio da rua e batendo num poste logo a frente e desde então os segundo viraram seculos. 
      O carro virou sucata e me vi estranhamente de fora, como se fosse outra pessoa lendo o que se passava, eu estrangeira de mim mesma, olhei o cadáver dentro do carro nunca me importei tão pouco com uma pessoa como naquele momento.
A chuva continuava agora bem fraca, um sereno, parada onde estava vi Isaac procurar conforto com os olhos pueris desesperados por respostas. E o silencio. 
Fui sentando-me no portão, a cabeça entre os joelhos, dando tudo na vida para jamais ter visto nada, para ter nascido cega. Mas mesmo que a cegueira agora me atingisse de nada adiantaria por que já havia visto tudo e a única memória da luz que me restaria seria essa. Com a cabeça entre os joelhos eu fiquei até me tirarem dali, apática e presa num eterno replay. Com a cabeça entre os joelhos eu não quis ter mais nada. Não quero mais lembrar. Tenho que voltar para minha casa, tenho que tentar fechar os olhos e dormir, por que agora a chuva parou de vez, a rua molhada reflete os postes, ainda está ali a lata de coca cola, no criado mudo, é melhor que limpem logo a rua, limpem o mundo, que eu preciso dormir. E que amanhã se enterrem três mortos.

Nenhum comentário: