quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

a vida de catarina - qual o critério de Deus...?

   A Catarina acordou de ressaca no domingo. Levantou-se com a cara inchada e os olhos de urso panda. Abriu a janela, olhou para a amiga que dormira em sua casa  "Que dia mais blegh!" disse, e estava mesmo estranho. 
      Na noite anterior ela tinha ido pra balada como sempre, bebido três tequilas, beijado o fortinho de blusa gola polo bordô e voltara pra casa com o cabelo cheio de vodca com energético ( sempre que as pessoas ficam bêbadas tentam lavar seu cabelo com aquilo, uma merda) já estava de toalha na mão pra tirar o futum de álcool das madeixas quando ligou a televisão e viu a tragédia.
    Não quis pensar sobre o assunto a principio, mas como poderia? Olhou a amiga que voltara a dormir, ela finalmente conseguira o estágio na fábrica de carros, dormia feliz seu pileque de comemoração. Mas e então? Tinham todos vinte e poucos anos, eles todos e também elas.  "Que coisa isso de morrer cedo, quem é escolhe?" pensou.
    Ela fora decerto pessoa de fé uma vez, mas depois desistira, e passou a questionar tudo, como se tivessem-na dado aquela pilula do Doutor Caramujo, mas ao invés de tagarelar como a Emilia, ela questionava e se perguntou quais seriam os critérios de Deus, Buda, o universo, Alá, enfim quais os critérios??? Por que a boate no sul pegou fogo e não a de São Paulo? O que ela tinha a mais que qualquer um dali pra continuar viva, o que sua amiga que dormia no colchão ao lado tinha a mais pra ter o direito de usufruir de sua conquista? 
    Foi um dia meio chuvoso, ela reparava que algumas das tragédias de sua vida pessoal culminaram no domingo e em comum todos tinham aquele ar meio sem vida, a garoa gelada, o mundo com preguiça de continuar  movendo, que o turbilhão interno era intenso e acabava tirando a vitalidade das ações, a energia voltada pra dentro, ensimesmada no silêncio, encharcada em pensamento.
    O dia foi estranho do principio ao fim, Catarina sempre neurótica com a vida, as vezes se via dançando embriagada pela noite e pensava nessa hipótese "E se cair o teto? E se pegar fogo? Pra onde eu corro, será que eu morro?" mas continuava dançando tranquila, planejando estrategias efêmeras no caso de tragédia, mas seguindo contente que nada maior lhe ocorria.
      Desligou a televisão o resto do dia. A amiga acordou, almoçaram. "Essas coisas são bizarras..." disse a amiga também chocada, e na falta de mais palavras, ficaram naquilo mesmo. Os jornais não mudavam a pauta e nem tinham como faze-lo. Por fim esse nada a fazer levou as horas, os dias, a semana, a velha farra.    
  Qual o critério, agradecida que estava, podia ser qualquer um, num avião, num furacão, num terremoto, sempre pode ser, mas por que é e por que não? Ela ainda talvez se perguntasse muito tempo, estranhando os outros "Gostaria então de estar lá?" e ninguém entendia que ela gostaria na verdade que ninguém estivesse e mesmo se ela estivesse o fato da tristeza das coisas não mudaria. No mais, durante aqueles dias, plúmbeos por excelência, a vida de Catarina não teve nada de adorável. Menos ainda de engraçada. Só de reflexiva, a cabeça feito estomago embrulhado tentando digerir....


Um comentário:

Lígia disse...

Muitos questionamentos surgiram em minha cabeça com esse episódio também!!!!