domingo, 1 de abril de 2012

Vulto de Enfeite

"A dor as vezes dói tanto que não dá vontade de escrever" eu escrevi um dia daqueles no meu diário embaixo da árvore escura que havia no meio do pátio perto dos banheiros, onde já não havia ninguém. "A dor as vezes dói tanto que sinto sumir na dor, desaparecer." Mas nada doía tanto assim na vida além do meu próprio drama, particularmente  a dor da ausencia do ser. Eu fui sumindo.
 Eu ainda me revirava na cama a noite pois importunos sonhos roubavam-me as vezes as poucas horas de sono, eu não dormia e não levantava, ficava lá me vendo sumir. Um dia após o outro, a ausência de ser.
Eu gostava de sentar embaixo da árvore escura e pensar que surgiria de dentro de umas das portas dos banheiros um homem e me fizesse mal. Mas mal fazendo me fizesse sentir bem. Mal me fazendo me fizesse sentir. E eu continuei vendo o dia acabar muitas das vezes embaixo da árvore escura e nada aconteceu. "Tem uns oitenta anos essa árvore.." um dia me disseram e eu nem calculava que oitenta anos era muito tempo para ser invisível. Entre a multidão de árvores paradas no mundo aquela estava parada a oitenta anos. Havia o salão em frente a árvore onde nos reuníamos antes pra rezar, mas aos poucos todos os outros também foram partindo, eu achava aquilo de sumir muito pouco justo, por que todos partiam mas eu e a árvore íamos desaparecendo no mesmo lugar. Se alguém viesse e se sentasse em frente a mim e a árvore nos veria desaparecer aos poucos. Em breve caberiamos ambas em uma caixinha tão pequena que ninguém faria questão de guardar em lugar nenhum, tão pequeno enfeite, incapaz de enfeitar. Eu andava invisível por aqueles idos, e as portas dos banheiros continuavam todas fechadas. Quanto tempo ainda?

2 comentários:

Ladrão de Bibliotecas disse...

A vida inerte dói, é difícil existir desistindo, existir sumindo, existência inútil, muda. Texto muito bem colocado.

Estou ansioso para que se concretize o convite que me fez naquele sarau, de atuar com você em alguma peça. Este ano estou sendo um fantasma inexistente no mundo do teatro, e isso me corrói todos os ânimos!

Ass.: Ladrão de Bibliotecas

Anônimo disse...

Demais!