quinta-feira, 23 de junho de 2011

Fetiches Verbais (com a colaboração de Natália Gonçalves)

        Eu não sei o que acontece por que fui muito bem criada, minha mãe como todos o sabem, é uma mulher de princípios muito sólidos e educação esmerada, então não consegui descobrir ainda em que momento da minha vida minha boca se tornou, no vocabulário das professorinhas horrorizadas, tão suja. Talvez tenha sido na escola de freiras em que estudei. Ou depois de 4 anos em republicas mistas, onde todo tipo de vergonha verbal que poderia existir em mim se foi de uma vez. Com tudo isso quero dizer que compreendo perfeitamente que nem todos aprovem esse tipo de conduta, mas por que meu Deus, por que eu sempre trombo com pessoas que tem verdadeiros fetiches verbais, não falam certas palavras nem por todo dinheiro do mundo?
       Há alguns dias um amigos quis referir-se a cloaca humana que todos temos entre as nádegas, carinhosamente apelidada pelos brasileiros de cu. Mas o sujeito se engasgava e quanto mais ele se engasgava mais eu dizia "cu, cu,cu!"  Ele simplesmente não conseguia e eu fui ficando nervosa e os amigos ao lado começar a repetir cu cu cu , foi um coro muito bonito por sinal, mas o pobre não disse a palavra "Não estou acostumado com esse tipo de vocabulário!" ele rugiu entredentes e mudou de assunto.
Sobre esse assunto de tão esmerada importância, falou o sábio Millôr Fernandes :
          "Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.(...)
          E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no olho do seu cu!". Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Vai tomar no olho do seu cu!". Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e saia à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.(...)
         Sem contar que o nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? O "foda-se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta. "Não quer sair comigo?
Então foda-se!". "Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!". O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal.
Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se."


Em tempo: Cu em Portugal é a referencia que eles tem pra bunda. Vê só como estamos sujeitos a fetiches verbais culturais locais. Uma parte do corpo tão importante, sem ele nós acabaríamos igual o pintinho da piada, enfim...

3 comentários:

Natália disse...

É realmente incrível como um monossílabo é capaz de sintetizar sentimentos e acabar com discussões. Dizem que, quando recorremos à palavrões, é porque já não restam argumentos... Acho que o mundo inteiro anda sofrendo de "a-ideiatite" aguda!

Lígia Santos disse...

Muito bom, hahahahaha. E tem gente que olha com mals olhos a quem fala palavão e gírias, né ;)

Cris Paes disse...

Todos que me conhecem, sabem muito bem que a minha boca não é a mais santa do mundo, por isso assino embaixo de tudo que está escrito aí!! Perfeita a definição de foda-se!!