terça-feira, 14 de dezembro de 2010
Getulio, a Morte e Eu
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Mariana abre o baú...2005
Meu pai pendura sacos de leite vazios no varal. Diz que é para reciclagem, para não ficar os restos do leite no fundo. Ninguém entende por que tem tantos sacos de leite no varal da minha casa. Tem flores plantadas em fundo de garrafa pet e em ex-potes de sorvete napolitano. Aliás, na minha casa também tem tanque de plástico fingindo ser de pedra e aquele azulejo cor-de-rosa nos banheiros. Banheiro cor-de-rosa foi moda lá na década de quarenta, no máximo. Eu acho charmoso. Tem gente que acha brega e quando algum azulejo cai ,para substituí-lo,é difícil. Saiu de linha há mais de trinta anos.
Na minha casa tem assoalho e teto de madeira. Às vezes as paredes rugem de dor nas costas. É a idade. Eu amo essas paredes e o teto e o assoalho e os sacos de leite no varal. E papai também, é claro.
Ninguém entende papai. Velho sargento ,depois que mamãe morreu ficou matusquela.Foi tia Elvira quem disse isso.Mas eu não acho. Aliás, tia Elvira é quem me parece fora do normal, ela quebrou todos os discos dos Menudos que a prima Ritoca tinha, sob a justificativa de que filha dela não ouve música de pecado. Depois vem dizer que papai é o matusquela! Qual problema de se pendurar sacos de leite no varal?
Às vezes eu penso que a minha casa é muito grande apenas para eu e papai morarmos. O tempo todo na TV passam pessoas, pobres, que moram em poucos cômodos amontoados enquanto eu e papai moramos sozinhos numa casa de sete quartos! Antes tinha a mamãe, a Maria Lúcia, a Maria Elena, a Ana Eliza e o Oswaldinho.Todos esses meus irmãos. Mas Lucia e Elena se casaram, Eliza foi embora por que queria terminar de estudar em São Paulo, e o Oswaldinho virou padre, maior orgulho da mamãe, que morreu há algum tempo. Então sobrei aqui com papai e a Lauzinda, a empregada. Ela é estranha fuma cachimbo, tem um cheiro horrível .As pessoas dizem que ela faz macumba.Eu não acredito.
As pessoas também dizem que tem dó de mim,tão menina já meio sozinha. Mas no fundo é pura inveja ,por que moro no casarão da rua Getulio Vargas( papai ama Getulio Vargas), que tem janelas verdes e muro de tijolinho baixo.Papai diz que não tem perigo entrar ladrão por que eles acham que aqui é mal assombrado. Mas se for mamãe quem assombra então é bem assombrado, por que mamãe era muito boa.
Eu queria medir os rodapés de madeira, os porta-retratos da estante,os quadros de borboletas mortas no corredor. Mas a Eliza me disse que tenho que estudar se quiser ser uma mulher moderna. Por mim eu jamais sairia daqui. O mundo é ainda muito maior que o casarão. Prefiro passar a vida com papai e seus três gatos. Tem um branco de olhos verdes, outro cinza e um laranja que mia embaixo da minha janela toda manhã, até eu dar leite para ele. Enquanto tudo isso existir eu quero ficar aqui. O que vai acontecer depois já é outra historia...
sábado, 20 de novembro de 2010
Tio
Estava sentada na sala de estar lendo um livro da Clarice Lispector por que se julgava muito intelectual. Absorta, somente percebeu uma outra presença na sala quando a mesma fez barulho nos jornais. Ergueu a cabeça:
Ela seguiu tentando ler, acompanhando os seus passos pela sala, sem querer. Era novo o Tio, mas estava começando a ficar careca igual a São Francisco:
-Senta, Tio.
Ele olhou-a, interrompendo o andar:
- Estou bem, querida, obrigada....E você como vai? Já terminou o colégio?
- Falta pouco. Estou estudando pro vestibular.
- Vai para São Paulo?
- Não sei ainda, Tio... Queria, mas me acho tão criança ainda....
O tio sorriu com o canto da boca. Achava a menina bem crescidinha.
E Lili , que ainda ofegava de leve, puxou-lhe a mão para cima:
- As pessoas da igreja não iam achar nada estranho...-Ele ainda disse antes de ocupar-se dela de tal forma que sua boca já não pôde mais dizer palavra. Lili ainda às vezes abria os olhos, fitava o teto, o lustre da sala pareceu turvo, as unhas roídas afundavam na almofada, Maria fazia o almoço na cozinha, ela não podia expressar-se, olhou para baixo e dali só via a careca iminente no topo daquela cabeça de meia idade. Riu. O tio não era mesmo muito de falar, ocupava-se melhor de outras coisas, o lustre ainda estava turvo, tocou os seios de leve, soltou um gemido grave. Estava feito.
-Eu disse que não ia demorar. -ele levantou-se e se refez. Ela também fez o mesmo ,sentou-se no sofá e continuou sua leitura.Tio sentou-se no sofá a sua frente. Então foi possível ouvir o barulho da porta e uma voz firme gritando:
E o semestre só tinha começado - 2008
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
O Enterro do Bel -2008
Houve um tempo, não há muito tempo, mas já há algum tempo, em que eu era até feliz em sair beijando bocas sem nome por ai. Mas parei com essa mania logo que comecei a fazer faculdade.Odontologia tem dessas, você só descobre o quão suja é uma boca quando percebe tudo que tem que fazer para conseguir limpá-la.
Quanto ao resto, bem, quem é que em sã consciência sente falta de usar abadá? Até porque laranja e verde limão nunca foram minhas cores preferidas. Aliás, acho que falta explicar para algumas pessoas que abada não é roupa,é ingresso, não se usa depois da festa, nem para se ir á padaria comprar pão.
Me lembro de um conhecido, acho que um vizinho, que era um tímido convicto .Me lembro bem que era frazino, o cabelo oleoso,um prototipo do Big Bang Theory. Um dia, por um desses mistérios inefáveis do universo, esse rapaz foi parar num Carnafolia qualquer. Como o álcool é a melhor das cirurgias plásticas, lá pelas tantas um alguém de cabelo laranja (devia ser para combinar com o abadá) levou o vizinho para um canto qualquer e não o engoliu por que antropofagia, como não me canso de frizar, é crime.
E não é que o sujeito passou semanas repetindo que só se casaria quando o Bel morresse? Ai parei, pensei...o que o primeiro beijo de um homem não faz? Pensei mais um pouco e uma ideia exdruxula me ocorreu... O dia em que o Bel morrer, as igrejas vão lotar?Imagine a cena, noivos e noivas de laranja na igreja, eles mal se conhecem, mas é esse o ritmo das coisas, não? Sem contar que o Bel morreu, nada mais faz sentido, Asa de Águia não é bom o suficiente, a vida não compensa, é a decadência, eles vão abrir uma barraca de pastel na praia , com um radinho de pilha que tocará Netinho por toda eternidade, para relembrar os velhos tempos...
Depois dessa, resolvi voltar a dormir .Talvez conseguisse terminar o sonho e ver pessoalmente o enterro do Bel( o caixão verde limão) e o casamento dos chicleteiros.